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A Resolução 487, de 2023, do Conselho Nacional de Justiça – Política Antimanicomial

por Rafael Erthal


1.                 Introdução


A Resolução 487, de 2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), segundo seus próprios termos, estabelece a denominada “Política Antimanicomial do Poder Judiciário”.

Este artigo terá o objetivo de analisar a Resolução pelos prismas jurídico e de mérito. Consideramos que, em ambos os casos, a norma apresenta gravíssimos problemas.

Um dos principais problemas é a revogação, na prática, por meio de uma norma infralegal, de sanção criminal existente no art. 96, I, do Código Penal (CP) (internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico), reservando a internação apenas em hospitais sem características penais – ou seja, contrariando norma legal expressa.

Discutiremos também, brevemente, a possibilidade da utilização do Decreto Legislativo, norma legislativa de iniciativa exclusiva do Congresso Nacional, para sustar os atos normativos do Poder Judiciário que exorbitem do poder regulamentar.





2.                 A inconstitucionalidade da Resolução 487, de 2023


O CNJ teve sua criação com a Emenda Constitucional (EC) nº 45, de 2004, que inseriu o órgão dentro da estrutura do Poder Judiciário (art. 92, I-A, da Constituição Federal – CF). Segundo o art. 103-B, § 4º, da CF, inaugurado pela EC 45/04:


Art. 103-B

(...)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:     

I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

 

Conforme vemos, o CNJ possui competências administrativas e financeiras restritas ao Poder do qual faz parte. O inciso I do § 4º diz que o CNJ, no âmbito dessa competência (restrita ao âmbito administrativo e financeiro), poderá expedir atos regulamentares.

Esses atos regulamentares não se confundem com atos normativos primários expedidos por certos órgãos constitucionais, como o presidente da República, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e, em alguns casos, o próprio Poder Judiciário. Esses atos normativos primários incluem as leis ordinárias, que apresentam generalidade e abstração, vinculando toda a sociedade brasileira, inclusive os próprios órgãos de onde emanam essas normas, pois vivemos (ainda bem) em um Estado democrático de Direito, segundo o rule of law, onde ninguém está acima da lei (ou pelo menos não deveria).

Em algumas hipóteses, o constituinte autorizou órgãos a expedir normas regulamentares para explicitar o conteúdo da lei (como no art. 84, IV, CF). Considerando que as leis têm caráter geral e abstrato, é impossível que prevejam todas as circunstâncias e situações em que se apliquem. Tendo isso em vista, é possível que o presidente da República, por exemplo, edite decretos regulamentares visando explicitar, clarear, destrinchar o conteúdo normativo de uma lei ordinária. Isso desde que esse decreto – por óbvio – não altere substancialmente o conteúdo da lei que o confere existência e validade. Afinal, o próprio texto constitucional assevera que a competência privativa do presidente da República de editar decretos somente se justifica para dar fiel execução às leis que os deem existência.

Entendimento contrário significaria que o decreto regulamentar – expedido unilateralmente pelo presidente da República, sem qualquer participação de outro órgão do processo legislativo – pudesse substituir ou contrariar uma lei. A separação dos poderes, cujo corolário é a harmonia entre eles, demanda que nenhum órgão estatal exorbite de suas atribuições, principalmente quando se trata de excesso de competência de tal gravidade.

Caso seja de interesse do Poder Executivo criar uma espécie normativa primária, é possível que seu chefe edite uma medida provisória, se houver relevância e urgência, e que terá efeitos imediatos desde sua edição. Mas isso tudo sob escrutínio posterior do Poder Legislativo, que pode rejeitar a medida provisória integralmente.

Conforme visto, o processo legislativo para criar normas legislativas primárias (leis, medidas provisórias etc.) é bastante dificultoso, necessitando da colaboração e da concordância de diversos órgãos de natureza distinta. Se fosse possível que um órgão, individual e exclusivamente, exercesse esse poder, estaríamos não diante de um Estado democrático de Direito, mas sim diante de uma estrutura em que haveria autoritarismo legislativo, de modo a perverter a Constituição e sendo por isso absolutamente inconstitucional.

Como dito, ao CNJ compete controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, efetuando controle interno, não podendo, sob qualquer hipótese, inovar no ordenamento jurídico. Não é isso que a Resolução 487, de 2023, do CNJ faz. Vamos discutir alguns pontos da norma.

Inicialmente, para fundamentar a edição da resolução, há diversos “considerandos”, referindo-se a normas variadas, entre elas a Constituição Federal e alguns tratados internacionais a respeito de direitos humanos aos quais o Brasil aderiu. Nenhum deles autoriza a eliminação por completo dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP), como faz a resolução em sua parte normativa.

A Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos proferida no Caso Ximenes Lopes vs. Brasil[1], citada pela resolução, apenas determina que o país desenvolva “programa de formação e capacitação para o pessoal médico, de psiquiatria e psicologia, de enfermagem e auxiliares de enfermagem e para todas as pessoas vinculadas ao atendimento de saúde mental”.

A Lei n. 10.216/2001, também citada nos “considerandos”, não veda a internação compulsória, devendo apenas ocorrer nos termos da referida norma. Ademais, nunca houve divergência doutrinária nem jurisprudencial a respeito da possibilidade de a Lei 10.216/2001, denominada “Lei Antimanicomial”, ter eliminado uma das hipóteses de sanção para inimputáveis do art. 26 do CP.

Cita também uma Resolução (n. 32/18), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que possui apenas força de soft law, não sendo de observância obrigatória pelo Brasil (tem apenas natureza declaratória). Da mesma forma, cita um Relatório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas, de 2017, que visa “acabar com a prática do tratamento involuntário e da institucionalização”. Ressaltamos, entretanto, que se trata de norma de soft law, conforme doutrina amplamente majoritária[2]. Portanto, apesar de servir como diretriz, não pode simplesmente ser utilizada como norma jurídica para justificar a edição de norma interna para que se revogue trecho de outra de hierarquia superior (no caso, o Código Penal).

A Resolução traz outras normas de igual natureza (ou seja, referências circulares), privilegiando a manutenção da pessoa “em sofrimento mental em meio aberto” (Resoluções CNJ 113/2010; 35/2010; e 288/2019).

Em seu art. 1º, a Resolução aduz expressamente que a norma visa “instituir a Política Antimanicomial do Poder Judiciário”. O art. 3º, por outro lado, institui os princípios e as diretrizes que regem “o tratamento das pessoas com transtorno mental no âmbito da jurisdição penal”, sendo que seu inciso VIII expressa que será “vedada a internação em instituição de caráter asilar, como os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e estabelecimentos congêneres, como hospitais psiquiátricos”. Ou seja, a Resolução, ainda que tacitamente, revoga um dispositivo do Código Penal, conforme já demonstrado, o que transborda frontalmente dos limites da atuação do CNJ (e de qualquer outro órgão não legiferante, diga-se de passagem).

No art. 13, localizado na Subseção II (Da medida de internação), dentro da Seção III (Da medida de segurança), consta que a imposição de medida de segurança de internação ou de internação provisória ocorrerá em “situações absolutamente excepcionais”, passando dos limites de mera regulamentação de normas, e criando verdadeiro obstáculo normativo à imposição de medidas de internação. Ademais, o § 1º estabelece que o Poder Judiciário irá atuar para que “nenhuma pessoa...seja colocada ou mantida em unidade prisional, ainda que em enfermaria, ou seja submetida à internação em instituições com características asilares, como os HCTPs ou equipamentos congêneres...”. Mais uma vez, observamos a total invasão de competências do Poder Legislativo, exorbitando-se a competência administrativa e financeira do CNJ de forma cristalina, plana, chapada.

Por fim, o art. 18 da Resolução ressalta que:


“a autoridade judicial competente determinará a interdição parcial de estabelecimentos, alas ou instituições congêneres de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil, com proibição de novas internações em suas dependências e, em até 12 (doze) meses, a partir da entrada em vigor desta Resolução, a interdição total e o fechamento dessas instituições.


Como se observa, o conteúdo da Resolução, sob o argumento de “regulamentar” certas normas no âmbito administrativo, destoa completamente de seu poder normativo (absolutamente restrito, diga-se de passagem). É nítido que a resolução não possui caráter meramente “administrativo”, muito menos financeiro. Serve para, na prática, proibir a instituição de sanção de internação em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, sem qualquer autorização legal ou constitucional.

Basicamente, criou-se a possibilidade de uma norma “regulamentadora”, oriunda de um órgão que sequer teria competência regulamentar nesse âmbito de aplicação, que simplesmente revoga, de forma tácita, uma norma do Código Penal, tornando-o letra morte e sujeito a qualquer tipo de “resolução” advinda de órgãos semelhantes, como o Conselho Nacional do Ministério Público.

É um frontal e inaceitável desrespeito à separação de Poderes, cláusula pétrea de nossa Constituição, conforme o art. 60, § 4º, III, CF.

Entendemos, por esse motivo, que a Resolução 487, de 2023, do CNJ, é inconstitucional, por transbordar inegavelmente do poder regulamentar concedido ao órgão pela CF – que deveria se limitar, exclusivamente, a questões administrativas e orçamentárias, e somente no âmbito do Poder Judiciário.

 

3.                 Efeitos práticos da Resolução 487 do CNJ


Pode-se imaginar que o fim dos ditos “Manicômios Judiciários” terá inúmeras consequências positivas, principalmente para os inimputáveis que antes estavam internados nesses institutos. Como sabiamente disse Fréderic Bastiat: existe o que é visto, mas existe também e principalmente aquilo que não é visto[3]. Como normalmente o “não visto” é desagradável, ele não é levado em consideração em decisões políticas ou judiciais. Mas o fato é persistente e teimoso: ainda que seja ignorado, não deixa de produzir seus efeitos.

Primeiramente, o que se busca pela resolução parece ser o tratamento dos presos sob medida de segurança de internação nas unidades hospitalares comuns, ou seja, cuidados hospitalares em ambientes comuns, sem características asilares ou de internação.

Lembremos que os sujeitos a medidas de segurança de internação têm sua periculosidade presumida por lei (justamente por isso recebem medida curativa, e não propriamente pena).

Mesmo que consideremos as circunstâncias fáticas e não positivadas (ou seja, ignorando a presunção legal), é certo que inúmeros indivíduos submetidos a medidas de segurança de internação são – de fato – perigosos.

Ou seja, o que se busca é o tratamento hospitalar comum de indivíduos que são reconhecidamente perigosos para a sociedade, e por esse mesmo motivo deveriam ficar temporariamente dela isolados. Não como método de punição pura e simplesmente, mas sim para proceder a tratamentos curativos conforme o caso, tudo acompanhado por equipe multidisciplinar em hospitais desenhados para receber esse tipo de sujeito.

O sistema de saúde público no Brasil já se encontra absolutamente sobrecarregado, como é de conhecimento notório a qualquer um que tenha o mínimo contato com a realidade. O que se fará é convulsionar ainda mais o sistema hospitalar público comum, que sequer consegue atender a demandas normais de internação, quanto mais a de um indivíduo considerado periculoso, e que demanda tratamento personalizado e específico, muitas vezes com necessidade de escolta ou acompanhamento de autoridades policiais de forma ininterrupta.

Outra alternativa é simplesmente transferir os presos sujeitos a medidas de segurança de internação para presídios comuns, junto aos demais encarcerados do sistema. Novamente, não se mostra medida razoável nem factível.

De início, frisamos, mais uma vez, que o submetido a medida de segurança o é por um motivo muito específico: a necessidade de tratamento curativo, seja por meio de tratamento ambulatorial, seja por meio de internação. Neste caso, a situação do indivíduo é mais grave, pois seu tratamento requer isolamento do ambiente social normal.

Colocar esse tipo de pessoa junto aos demais presos subverte inclusive a principiologia da Lei de Execução Penal, que é tratar os presos de forma personalizada, de acordo com características como tipo de crime cometido e outras circunstâncias pessoais. Ora, o que se observará na prática é tratar um indivíduo que necessita de tratamento curativo como um preso comum – sujeito inclusive a violência de demais detentos, pois muitas vezes o inimputável é vulnerável física ou psicologicamente, apresentando dificuldade de socialização com as demais pessoas.

Ou seja, em vez de proporcionar tratamento mais humanitário e assistido, a Resolução do CNJ pode produzir justamente efeito contrário: tornar o tratamento dos inimputáveis sujeitos a medida de segurança no sistema carcerário ainda mais indigno.

Outro fator de relevo é simplesmente a falta de pessoal nos presídios comuns para lidar com a enxurrada de novas demandas que certamente irá ocorrer. O aumento das escoltas para tratamento hospitalar, por exemplo, desfalca a unidade prisional de material humano que é imprescindível para lhe garantir segurança. Além disso, a própria capacitação do pessoal das unidades terá de ser revista, bem como os procedimentos de segurança, que estão adequados para receber presos comuns, com sua imputabilidade preservada.

Os efeitos práticos trazidos aqui certamente não retratam a complexidade do problema, que somente é de integral conhecimento por quem trabalha com a realidade dentro dos presídios. Nesse sentido, o mínimo esperado seria uma consulta prévia ou a realização de diversas audiências públicas com os interessados no tema, antes de qualquer decisão a respeito.

 

4.                 A possibilidade de utilização de decreto legislativo (art. 49, V, CF) para sustar atos normativos do Poder Judiciário que exorbitem de seu poder regulamentar


Como visto anteriormente, é devida a participação de órgão de controle externo no processo legislativo, que cria normas de caráter geral e abstrato a todos os brasileiros. É característica inescapável e imprescindível de um estado democrático de Direito. Mesmo o presidente da República, detentor do poder de iniciar, sozinho, o processo legislativo de medida provisória – que tem eficácia imediata –, está sujeito a controle posterior pelo Poder Legislativo (e, em casos excepcionais, pelo Poder Judiciário).

No caso de decreto regulamentar, cuja hierarquia normativa é menor do que a de uma lei ordinária, há ainda mais restrições, pois, como dito anteriormente, ele sequer pode inovar na ordem jurídica, cabendo-lhe apenas explicitar – e nunca exceder – o conteúdo de uma lei.


O Congresso Nacional precisa proteger suas atribuições constitucionais do avanço inconstitucional de outros Poderes.
O Congresso Nacional precisa proteger suas atribuições constitucionais do avanço inconstitucional de outros Poderes.

Sabiamente, o constituinte originário previu a existência de um instrumento para os casos em que o Poder Executivo exorbite do seu poder regulamentar (expedindo decretos gerais e abstratos, por exemplo): o decreto legislativo, previsto para essa hipótese no art. 49, V, CF. Pela importância do dispositivo, vamos reproduzi-lo:


Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional [por meio de decreto legislativo]:

(...)

V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

 

Note-se que pela literalidade da redação constitucional somente seria possível “sustar os atos normativos...que exorbitem do poder regulamentar” caso fossem editados pelo Poder Executivo. Mas será que essa interpretação é a correta?

É importante recordar que a redação do art. 49, V, da CF, é originária da Constituição, isto é, foi promulgada em 5 de outubro de 1988, não ocorrendo qualquer alteração em seu texto desde então. Já o CNJ, como dito, foi inserido apenas em 2004.

Se o constituinte derivado (que reforma a CF) tivesse previsto que o Poder Judiciário “exorbitaria de seus poderes regulamentares” por meio do CNJ, então teria previsto essa possibilidade no referido inciso V do art. 49 da CF. Talvez, inclusive, a melhor redação para o dispositivo teria sido “sustar os atos normativos dos demais poderes que exorbitem do poder regulamentar”, protegendo de forma definitiva e ampla qualquer transbordamento de competências regulamentares.

Teria havido, portanto, mutação constitucional para que, entre as funções do Congresso Nacional, estaria também a de sustar atos normativos do Poder Judiciário (por meio do CNJ) que exorbitassem de seu poder regulamentar – que de acordo com a própria Constituição deveria ser restrito apenas a questões financeiras e orçamentárias.

Ou seja, caso o poder constituinte derivado tivesse previsto que o Poder Judiciário pudesse exorbitar tão intensamente de seu poder regulamentar, fatalmente teria previsto a possibilidade de utilização de decreto legislativo, nos termos do art. 49, V, CF, para sustar referidos atos. Só não o fez porque simplesmente não achou crível que o Poder Judiciário (cuja função normativa atípica é absolutamente restrita) pudesse ir tão longe, transbordando de suas atribuições constitucionais.

Com efeito, da mesma forma que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que houve “mutação constitucional” ao se revogar tacitamente uma atribuição originária conferida ao Senado Federal pela Constituição de 1988 (conferir eficácia erga omnes à decisão do Tribunal em sede de controle difuso de constitucionalidade[4]), é razoável considerar que também ocorreu o mesmo fenômeno constitucional para que os poderes do Congresso Nacional pudessem se adequar às novas “atribuições normativas” do CNJ, que, frise-se, sequer existiam no momento da promulgação da Constituição Federal.

Aliás, caso se entenda de forma contrária, o Poder Legislativo perderia uma de suas principais atribuições – a de velar pela sua competência legiferante frente a outros órgãos. Além disso, perderia também importante instrumento constitucional, de tramitação interna, insuscetível de sanção ou veto, que pudesse controlar tal prática.

Há parcela da doutrina[5] que entende ser possível a utilização do decreto legislativo para sustar atos normativos de outros Poderes, não com amparo no art. 49, V, mas sim no inciso XI do mesmo artigo, que diz: [é da competência exclusiva do Congresso Nacional] “zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”. Outro motivo que torna viável o controle legislativo da atividade normativa irregular de outros Poderes. Conforme leciona Roberta Simões Nascimento[6]:

O STF até pode discordar, mas a interpretação legislativa que vigora entre os parlamentares do Congresso Nacional é a de que o art. 49, inciso XI, da CF, se presta, sim, para sustar resoluções do CNJ.

Ainda que se considere possível o manejo de ações constitucionais como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) (art. 102, § 1º, CF), ela depende de conhecimento, processamento e julgamento pelo STF, órgão cujos componentes também fazem parte do CNJ, e que por isso deveriam ser declarados suspeitos para julgar o caso. Por fim, seria uma bizarra situação jurídica em que o próprio órgão responsável pela edição da norma iria julgar sua constitucionalidade. Não nos parece razoável.

Portanto, a utilização de decreto legislativo, nos mesmos termos em que usado para resistir a tentações normativas arbitrárias do Poder Executivo, também deve servir para controlar a atuação normativa exorbitante do Poder Judiciário, mais especificamente do CNJ. Há, pelo menos, dois projetos de decreto legislativo em tramitação no Congresso Nacional para sustar os efeitos da Resolução: o PDL 152/2023, de autoria do Senador Styvenson Valentim, e o PDL 81/2023, do deputado Kim Kataguiri, que inclusive já recebeu parecer favorável na CCJC da Câmara dos Deputados.


[1] Disponível em https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf. Acesso em 19 de janeiro de 2025.

[2] CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito Internacional e a Humanidade: O Impacto dos Direitos Humanos na Consciência Jurídica Contemporânea. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013.

[3] Traduzido do francês, com alterações: Ce qu’on voit, et ce qu’on ne voit pas.

[4] Conferir Reclamação 4.355/AC e ADI 3470, ambas no âmbito do STF.

[5] NASCIMENTO, Roberta Simões, O Congresso Nacional pode sustar resoluções do CNJ? Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/o-congresso-nacional-pode-sustar-resolucoes-do-cnj. Acesso em 19 de janeiro de 2025.

[6] Idem, ibidem.


Rafael Erthal é coordenador do Instituto NISP e consultor-legislativo do Senado Federal na área de direito penal, processual penal, penitenciário e segurança pública. Foi perito criminal na Polícia Civil do Distrito Federal por 14 anos, tendo atuado nas Seções de Crimes contra a Pessoa e de Delitos de Trânsito.

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