top of page

Para Além da Punição: Subcultura Delinquente, Bandidolatria e a Batalha Cultural Contra o Crime no Brasil

  • Caio Caldas
  • 16 de out.
  • 3 min de leitura

Por Caio Caldas, bacharelando em Direito e coordenador do Instituto NISP


A formulação de políticas de segurança pública no Brasil tem sido predominantemente influenciada pela teoria econômica do crime, notabilizada por Gary Becker em seu seminal artigo Crime and Punishment: An Economic Approach, que modela o criminoso como um agente racional que pondera custos e benefícios. Sob essa ótica, a resposta estatal se concentraria no endurecimento das penas para aumentar o "custo" do delito. Embora o aumento de penas cumpra funções essenciais de retribuição e incapacitação, sendo uma ferramenta indispensável contra a impunidade , justificar sua aplicação apenas pelo poder dissuasório é um erro estratégico.


A premissa de que a maioria dos cidadãos se abstém de cometer crimes por um cálculo utilitarista é falaciosa. Para a vasta maioria, a decisão de não delinquir é pré-racional, alicerçada em um código moral internalizado, um fundamento que o jusnaturalismo compreende como anterior e superior ao direito positivo. O Estado, ao focar excessivamente na equação de Becker, adota uma postura reativa, enquanto as organizações criminosas travam uma guerra cultural para corroer o fundamento moral da população, investindo na criação de um imaginário favorável ao crime: a "bandidolatria".


Para compreender a gênese dessa subcultura, os estudos de Frederic Thrasher (The Gang: A Study of 1,313 Gangs in Chicago) e Malcolm Klein (The American Street Gang) são essenciais. Thrasher demonstrou que gangues não surgem de patologias individuais, mas de um "complexo situacional" envolvendo pobreza, desestruturação familiar e ineficácia de instituições sociais, nos "espaços intersticiais" da cidade, onde a ordem social é ausente. Klein, por sua vez, revelou que a pressão externa, como a ação policial, paradoxalmente aumenta a coesão interna desses grupos, que buscam primariamente reputação, não lucro. Hoje, esses espaços intersticiais se expandiram para o domínio digital. As organizações criminosas brasileiras colonizaram redes sociais, plataformas de música e jogos online, ambientes onde o Estado é rarefeito e jovens vulneráveis buscam identidade. Nesses novos espaços, a dinâmica de grupo descrita por Klein é catalisada, transformando a delinquência local em um espetáculo viral e atraente.


As principais facções brasileiras, como PCC e Comando Vermelho, evoluíram de gangues de rua para máfias transnacionais com portfólios econômicos diversificados, infiltrados na economia lícita. Essa sofisticação exige uma estratégia de influência social, na qual a produção cultural se torna um pilar. As facções engajam-se em uma sofisticada campanha de marketing para vender o estilo de vida criminoso, financiando artistas e eventos de gêneros como funk e trap. O objetivo é construir uma narrativa que rivaliza com a do Estado, glorificando o criminoso como bem-sucedido e poderoso, normalizando sua presença e garantindo um fluxo contínuo de recrutas. O resultado é a consolidação da "bandidolatria": a celebração do ethos criminoso, alimentada pela percepção de impunidade que assola o país. É crucial, como aponta o Instituto NISP, distinguir a legítima expressão cultural de comunidades marginalizadas, como a obra dos Racionais MCs, da cooptação deliberada da arte para propaganda de facções, como em casos de artistas com ligações explícitas a lideranças criminosas. As facções exploram pautas legítimas, como a crítica ao racismo, usando a liberdade de expressão como escudo para sua propaganda, turvando a fronteira entre protesto social e apologia ao crime.


A análise dessa dinâmica conduz a uma conclusão inafastável: uma política de segurança pública restrita à repressão, baseada apenas na lógica da dissuasão econômica, é insuficiente. Isso não invalida a necessidade de penas mais duras, que são pilares do Estado de Direito para a justiça retributiva e para a incapacitação de indivíduos perigosos. A impunidade, alimentada por penas brandas, é um dos principais combustíveis da criminalidade.


O erro não está em defender a punição rigorosa, mas em acreditar que ela, sozinha, resolverá um problema que se tornou cultural. A resposta exige uma robusta contraofensiva cultural, cujo objetivo estratégico deve ser a aniquilação da "bandidolatria". Isso implica desarticular o nexo financeiro entre facções e a indústria do entretenimento, investir maciçamente no fortalecimento de instituições como a família e a escola, reconhecendo, como apontam estudos do NISP, o impacto da ausência paterna na criminalidade juvenil, e promover ativamente valores e narrativas que exaltem a honestidade e o trabalho. A batalha pela segurança no Brasil é, em sua essência, uma disputa por valores, e vencer a guerra cultural é um imperativo para a sobrevivência do Estado de Direito.

 
 

nispbr.org

©2025 por nispbr.org 

bottom of page