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PEC da Segurança Pública: Entre a Retórica do Controle e o Esvaziamento do Pacto Federativo

  • Foto do escritor: Rafael Erthal
    Rafael Erthal
  • 30 de abr.
  • 4 min de leitura

Por Rafael Erthal e Ricardo Ziegler


Imagine que você é um político em busca de projeção nacional. Seu nome não tem mais o mesmo peso, suas redes sociais carecem de engajamento, e você percebe que há um tema que jamais sai de moda no Brasil: segurança pública.

Mas há um pequeno problema. A segurança pública é, talvez, o assunto mais complexo da República. Envolve legislação penal e processual, polícia ostensiva, polícia judiciária, Poder Judiciário, Ministério Público, sistema prisional, reincidência, impunidade, fundo de segurança, pacto federativo, federalismo cooperativo, soberania popular — e uma série de outras engrenagens que raramente cabem num tweet.

E você, é claro, não domina nada disso.

Sua solução? Simples: uma PEC.

Mas não qualquer PEC. Uma com nome bonito, aparência de modernização institucional, retórica de transformação e um toque especial: mais poder para Brasília. Porque, aparentemente, não há nada melhor do que tentar resolver problemas locais com fórmulas genéricas e absolutamente incompatíveis com as realidades dos estados e municípios.


O mito da PEC redentora

A proposta que hoje tramita como PEC da Segurança Pública é um exemplo clássico daquilo que no NISP chamamos de “reforma por ilusão”.

É como pintar a fachada de um edifício cujas estruturas internas já estão comprometidas. O texto da proposta concentra competências, cria cargos e transferências de atribuições para a União — mas não entrega o básico: resultado prático.

A PEC não toca no Código Penal, não enfrenta a reincidência, não mexe no Processo Penal, não corrige distorções do sistema de execução penal, não promove o ciclo completo de polícia, não valoriza as carreiras policiais, não integra sistemas nem assegura cooperação institucional real. Mas cria novos nomes, novas estruturas e mais um ente burocrático para adornar o caos.

 

A “Polícia Viária Federal”?

Outro ponto é a transformação da Polícia Rodoviária Federal na Polícia Viária Federal, uma força ostensiva que cuidaria do policiamento dos modais. Tendo em vista a inexistência da Polícia Ferroviária Federal constante na Constituição e a incapacidade da PF de cuidar dos modais por falta de efetivo, utilizar a PRF para tal não é uma má ideia. O problema é que não houve uma preparação prévia para que a PRF, futura PVF, possa assumir tais atribuições. Além disso essa PEC da ilusão não lhes dá poder de investigação e ainda retira o registro de crimes de menor potencial ofensivo no local dos fatos, obrigando-os a se deslocar até unidades das polícias civis ou federal para apresentação da ocorrência, gerando gastos com deslocamento, retirada de viaturas e policiais dos modais e retrabalho com burocracia.  


A mágica do financiamento condicionado

Outro aspecto disfarçado de inovação, mas que esconde uma velha prática de controle político, está no condicionamento dos repasses do Fundo Nacional de Segurança Pública. A lógica é simples: o estado que seguir à risca as diretrizes federais (ainda que sejam ineficazes ou inadequadas à realidade local), recebe. Quem ousar fazer diferente, ainda que com melhores resultados, não recebe nada.

Trata-se de um modelo que premia a obediência e penaliza a autonomia. Desestimula a inovação, sufoca a criatividade administrativa e transforma um fundo público em instrumento de coerção política.


PEC estética: maquiagem sobre crise estrutural

É por isso que esta proposta se encaixa no que já chamamos de “PEC estética”. Não muda estruturas, não combate o crime, não corrige impunidades. Mas promove barulho. Gera manchete. Passa a sensação de ação — e se contenta com isso.

É o equivalente jurídico de maquiar um corpo febril. Cria a aparência de saúde, enquanto o sistema apodrece por dentro. E tudo isso legitimado com discursos ocos de “cooperação federativa”, “eficiência institucional” e “modernização do aparato estatal”.


O que deveríamos estar discutindo

A PEC de que o Brasil precisa não passa por slogans, mas por medidas técnicas, corajosas e operacionais:

  • O ciclo completo de polícia, pondo fim à dicotomia artificial entre quem prende e quem investiga;

  • A possibilidade de os estados legislarem sobre temas penais e processuais com base em suas realidades locais;

  • A valorização das carreiras policiais com foco na valorização da atividade fim.

  • Leis ordinárias eficazes, que aumentem a certeza da punição e enfrentem a reincidência com seriedade;

  • A gestão transparente dos fundos públicos, com critérios de mérito e eficiência, não de submissão política;

  • E o respeito à soberania do Parlamento — sem que o Supremo Tribunal Federal desfigure reformas legítimas por meio de interpretações que ignoram a vontade legislativa.


Conclusão: não é de maquiagem que precisamos

O que está em jogo não é um capricho legislativo, mas o rumo da política de segurança pública no país. E nesse campo, improviso não é virtude — é vício. Centralização sem capacidade operacional é apenas arrogância institucional. E estética sem estrutura é só engodo.

A PEC da Segurança Pública, como está, não resolve o problema. Ao contrário, o disfarça.

O Brasil já exibe sinais claros de que está na trilha da mexicanização: perda de controle territorial, domínio armado de regiões urbanas, crescimento das facções e enfraquecimento das estruturas estatais em áreas inteiras do país. Não se trata mais de um alerta retórico, mas de uma realidade que avança. Foi avisado há mais de uma década por especialistas sérios — e continua sendo ignorado em nome de projetos que tratam o colapso com tinta fresca.

Segurança pública exige seriedade, não slogans. O Brasil não precisa de uma PEC para estampar manchete. Precisa de uma que enfrente o problema, proteja quem cumpre a lei, puna quem a infringe e devolva ao Estado sua autoridade — e não apenas sua burocracia.

Enquanto fingirmos que mudamos, continuaremos a enterrar vítimas, a punir heróis e a premiar os que transformaram o crime em governo paralelo.


Crédito da foto da postagem: Valter Campanato/Agência Brasil
 
 

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