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Efeito Imitador: como a divulgação de crimes pode gerar novos crimes – e o que fazer a respeito

  • Luciano Andreotti
  • 9 de jun.
  • 4 min de leitura

Por Luciano Andreotti, presidente do NISP


Introdução

Toda vez que um crime violento é amplamente noticiado — com riqueza de detalhes, rostos, nomes e vídeos — a sociedade corre um risco pouco discutido, mas amplamente documentado: o risco da imitação criminal. Trata-se do chamado efeito copycat, ou efeito imitador, fenômeno que associa a visibilidade midiática de um crime à possibilidade de novos crimes semelhantes serem cometidos posteriormente.

No Brasil e no mundo, pesquisadores, autoridades e legisladores têm voltado suas atenções para esse problema, que envolve não apenas a segurança pública, mas também a ética na comunicação, o papel da mídia e a regulação das redes sociais.

Este artigo tem como objetivo esclarecer, com base em dados, teorias e proposições legislativas, o que é o efeito imitador, por que ele ocorre, como ele impacta a segurança pública e o que pode ser feito para mitigá-lo.

 

O que é o Efeito Imitador?

O termo efeito copycat (ou “efeito imitador”, em português) descreve o fenômeno pelo qual a divulgação de crimes violentos leva à repetição desses atos por outros indivíduos, que passam a imitar o comportamento observado.

Esse fenômeno está ancorado em teorias sólidas da psicologia, da sociologia e da criminologia, especialmente nas seguintes:

  • Teoria da Aprendizagem Social, de Albert Bandura (1963–1977), segundo a qual indivíduos aprendem comportamentos por observação, imitação e reforço social, sobretudo quando a ação observada é exposta com notoriedade ou prestígio;

  • Teoria do Contágio Social, que entende certos comportamentos — como crimes, suicídios ou condutas desviantes — como propensos à disseminação coletiva, especialmente quando amplamente divulgados;

  • Teoria da Anomia, desenvolvida por Émile Durkheim e atualizada por Robert Merton, que explica como, em contextos de ruptura de normas sociais, comportamentos antissociais se tornam alternativas percebidas como legítimas ou eficazes por indivíduos marginalizados.

 

Evidências empíricas

Diversos estudos confirmam a existência do efeito imitador:

  • Phillips (1974)[1] observou que as taxas de suicídio aumentavam após a divulgação midiática de suicídios de figuras públicas. Esse padrão ficou conhecido como “Efeito Werther”, em alusão ao personagem do romance de Goethe, cuja morte trágica inspirou uma onda de suicídios entre jovens europeus no século XVIII;

  • Phillips & Carstensen (1986)[2] documentaram aumentos de até 12% nos índices de suicídio após reportagens intensas sobre casos semelhantes;

  • Towers et al. (2015) analisaram tiroteios em massa nos Estados Unidos e identificaram que esses eventos ocorrem em agrupamentos temporais, com um claro padrão de contágio entre episódios[3];

  • Lankford (2016)[4] mostrou que muitos atiradores em massa buscam deliberadamente notoriedade midiática, citando inclusive autores de crimes anteriores como “inspiração”.

  • Esses estudos indicam que quanto maiores a visibilidade e o detalhamento de um crime, maior a probabilidade de sua replicação.

No Brasil, a repetição de ataques violentos, em especial atentados em escolas, chamou a atenção de autoridades e especialistas nos últimos anos. Após episódios de ampla cobertura, casos semelhantes passaram a surgir em diferentes estados, muitas vezes com modus operandi semelhante e autores jovens que se identificavam com os anteriores.

Diante desse cenário, diversos projetos de lei foram propostos no Congresso Nacional com o objetivo de regular a forma como se dá a publicidade de crimes violentos, evitando o estímulo involuntário à reprodução dos atos.

 

Propostas legislativas em tramitação

Três projetos de lei merecem destaque por enfrentarem diretamente o problema do efeito imitador:

PL 2463/2019 – Deputado Coronel Tadeu (PL/SP): Propõe vedar a divulgação de imagem e identificação de autores de crimes violentos, especialmente em casos de repercussão nacional. A proposta visa combater a glamorização dos criminosos, protegendo a sociedade contra o risco de contágio por notoriedade.

PL 2827/2023 – Deputada Denise Pessoa (PT/RS): Estabelece regras específicas para a cobertura de atentados em escolas, exigindo o sigilo de nomes e dados dos autores, bem como restrições ao compartilhamento de vídeos, imagens e informações que possam estimular imitações.

PL 4028/2023 – Deputado Kim Kataguiri (UNIÃO/SP): Regulamenta a cobertura jornalística de crimes hediondos, com foco na responsabilidade da imprensa e das redes sociais, propondo limites ao detalhamento de ações criminosas e mecanismos de responsabilização em casos de repercussão nociva.

Esses projetos não pretendem promover censura à liberdade de imprensa, mas sim compatibilizar o direito à informação com o dever de proteção da coletividade, à luz do princípio da prevenção geral do Direito Penal e dos efeitos colaterais do discurso público.

O alerta é claro: informar não é o mesmo que espetacularizar.

Veículos de comunicação e redes sociais desempenham um papel ambíguo: ao mesmo tempo em que contribuem para a transparência, também podem inadvertidamente estimular novos crimes ao dar palco desproporcional aos agressores.

Por isso, organizações internacionais como a Organização Mundial de Saúde, o Centers for Disease Control and Prevention dos EUA (CDC) e a UNESCO já emitiram recomendações para mitigar os efeitos do copycat, como:

  • Não divulgação do nome completo ou da imagem dos autores de crimes;

  • Não utilização de termos como "massacre", "carnificina" ou "justiçamento";

  • Não publicação de "manifestos" ou mensagens deixadas pelos criminosos;

  • Enfoque nas vítimas, nas ações de prevenção ao crime e nos mecanismos de resiliência social.

 

O Papel da sociedade e das instituições

A resposta ao efeito imitador exige a articulação entre diferentes atores: o Legislativo, por meio da criação normas claras e preventivas; o Judiciário, interpretando o direito à informação de forma compatível com o princípio da segurança pública; a mídia, adotando protocolos éticos de cobertura; as redes sociais, com mecanismos de bloqueio e denúncia de conteúdos de risco; a sociedade civil, pressionando por práticas comunicacionais responsáveis.

E, acima de tudo, exige consciência coletiva de que a visibilidade dos referidos atos pode matar.

 

Conclusão

Combater o crime vai além de prender. Vai além de legislar. Também envolve evitar sua repetição.

O efeito imitador é real, documentado e perigoso.

A responsabilidade pelo que acontece após a manchete também é nossa.

Que este seja o momento de repensar a forma como comunicamos a violência.

Não para esconder, mas para prevenir.

Não para silenciar, mas para proteger.


Referências bibliográficas

[1] Phillips, David P. “The Influence of Suggestion on Suicide: Substantive and Theoretical Implications of the Werther Effect.” American Sociological Review, vol. 39, no. 3, 1974, pp. 340–54. JSTOR, https://doi.org/10.2307/2094294.

[2] Phillips DP, Carstensen LL. Clustering of teenage suicides after television news stories about suicide. N Engl J Med. 1986 Sep 11;315(11):685-9. doi: 10.1056/NEJM198609113151106. PMID: 3748072.

[3] Towers S, Gomez-Lievano A, Khan M, Mubayi A, Castillo-Chavez C (2015) Contagion in Mass Killings and School Shootings. PLOS ONE 10(7): e0117259.

[4] Lankford A. Public Mass Shooters and Firearms: A Cross-National Study of 171 Countries. Violence Vict. 2016;31(2):187-99. doi: 10.1891/0886-6708.VV-D-15-00093. Epub 2016 Jan 28. PMID: 26822013.

 
 

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