A origem do mal
- Nilton Júnior
- 1 de mai.
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Por Nilton Júnior, colaborador do NISP
Ao constatar o aumento da violência e o enfraquecimento do Estado, o cidadão precisa se perguntar como tudo isso começou.
Para responder essa pergunta, importante olhar para a facção mais antiga do País: o Comando Vermelho. Ela surgiu por volta de 1970, no presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, em que presos por crimes comuns ficaram juntos com presos políticos. Estes ensinaram àqueles táticas de guerrilha e mostraram uma doutrina de cunho marxista, dizendo existir uma opressão por parte da burguesia e do Estado contra a parcela pobre da população.
Inicialmente denominada "Falange Vermelha", o grupo agia com violência e organizava rebeliões para exigir direitos dos presos. Investindo fortemente no tráfico de drogas, o grupo ganhou dinheiro e força, surgindo o Comando Vermelho.
Os historiadores se dividem a respeito: se a cor vermelha era referência ao derramamento de sangue, devido ao modus operandi do grupo; ou se era uma bandeira política, uma vez que os presos políticos defendiam uma ideologia comunista, cuja bandeira sempre teve o tom avermelhado.
De qualquer forma, o primeiro erro do Brasil foi deixar presos comuns e políticos no mesmo lugar. O resultado não seria outro que não a criação de um monstro que levaria o País a beira de se transformar em narcoestado.
O desejo de violência por si só não abala o Estado. Homens maus sempre existiram. Entretanto, quando um pequeno grupo é fortalecido ideologicamente, o Estado tem grande chance de perder seu poder, pois esse grupo é quem domina a narrativa. Explica-se:
Se um traficante pede para a polícia não realizar operações nos morros, o Estado obedeceria? Provavelmente não. Mas se um governador de Estado afirma que não deixará a polícia “subir o morro” porque a polícia não deve matar ninguém, aí sim a situação se torna mais problemática.
Se um traficante pede para a polícia usar câmeras corporais para inibir ou controlar sua ação, o Estado aceitaria? Não. Mas se determinado político ou o Poder Judiciário afirma que é necessário o uso de câmeras para fiscalizar os policiais e ajudar na produção de provas, o discurso torna-se mais palatável.
Caso uma facção exija que não haja revistas para entrada no presídio, qual seria a resposta de um Estado atuante? - Jamais! Agora, se o Judiciário afirma que a revista no presídio é constrangedora para o cidadão, palmas para a evolução dos direitos humanos no Brasil.
Se o traficante Fernandinho Beira-Mar propuser que o Estado deve se preocupar, urgentemente, em diminuir a letalidade policial, pois muitos criminosos estão morrendo, a ideia seria aceita? Não! Mas se o político cria o discurso de que a polícia é truculenta e comete “genocídio de jovens negros”, aí faz todo sentido castrar o desejo de confronto contra o crime organizado.
Poderíamos escrever páginas e páginas com exemplos que demonstram cabalmente como nossa política de segurança pública não foi feita para impedir a prisão e a ação de criminosos. Mas, apenas para finalizar, citamos um caso que parece inacreditável – mas ocorreu.
Se Marcos William Herbas Camacho – o Marcola – solicita a liberação de bandidos que cometeram crimes, o que você acharia? Se ele pedisse que o Estado liberasse pelo menos seus amigos no feriado, para “passar um tempo em casa”? Agora, se é criada uma narrativa de que a prisão não resolve – aliás, até piora – e que o preso deve passar o feriado em casa para ajudar na sua “ressocialização”, então está tudo certo.
Percebe o grande problema? O crime organizado percebeu: a luta não é só com armas, mas com a implementação de suas ideologias perversas, e muitas vezes convincentes, que capturam a mente de intelectuais e formuladores de políticas públicas. Eles só precisam de uma autoridade com poder suficiente e que compre suas ideias. Ou ainda melhor, eles só precisam que alguns de seus membros se tornem autoridades.
A cena final do filme "Tropa de Elite 2 – o Inimigo Agora é Outro", que mostra visão aérea do Congresso Nacional, nunca fez tanto sentido, não é mesmo? Infelizmente, o Brasil sofre de metástase em estágio avançado. Nossa guerra já não é apenas contra o tráfico de drogas, mas contra a tomada de território – não somente geográfico, mas também político.
Será mesmo que nenhuma autoridade competente enxerga essa realidade? Parece que cada autoridade que ingressa na máquina estatal para supostamente resolver o problema da segurança pública piora ainda mais o discurso anterior: "O Judiciário é obrigado a soltar porque a polícia prende mal", disse o Ministro apaixonado pelas audiências de custódia.
Chesterton, em sua obra Ortodoxia, diz que "curar um louco não é discutir com um filósofo, é expulsar um demônio". Talvez a resposta do nosso problema esteja aí. Nós insistimos em combater esse discurso como se o outro lado fosse entender. Mas o Brasil, incluindo as autoridades envolvidas e a própria população, precisam ser exorcizados.
Esse exorcismo precisa ser feito não de maneira física (apesar de que em alguns casos seria uma boa ideia). Em vez de crucifixo, conhecimento técnico; em vez de padres, líderes com coragem para acabar definitivamente com o crime organizado; em vez de oração, penas pesadas contra qualquer um que contribua para o crescimento do crime organizado neste País.
Afinal, por que políticos e autoridades amam criar aquelas narrativas? Seria falta de conhecimento, corrupção ou realmente estão possuídos por demônios ideológicos? Até quando vamos dar palanque para as mesmas ideias que só afundam o Brasil e nos colocam à beira do colapso?
Podemos ver diariamente como é aceitável na mídia uma autoridade defender um criminoso. É como se ele tivesse respaldo para dar todos os direitos àqueles que diariamente violentam o cidadão de bem. Churchill disse que "um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado". Parece ser o caso.
Pergunto-me se algumas autoridades têm a esperança de que um dia esses criminosos vão agradecê-los por todo empenho na luta pelos seus direitos. Independentemente de qualquer coisa, seja por inocência, ideologia, corrupção, uma coisa é certa: o diabo quase nunca leva a pior e um dia o Estado não conseguirá reaver seu poder, quando perdido.
Se um dia esse momento chegar, essas autoridades vão ver que Victor Hugo estava certo. Quem poupa o lobo, sacrifica a ovelha.
Nilton Oliveira Batista Junior é 1º Tenente da PMDF, Subcomandante do Grupamento Tático Operacional do Riacho Fundo, em Brasília. É formado em Direito pela Faculdade Projeção e Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar de Brasília. Pós-graduado em Análise Criminal e Pós-graduando em Inteligência e Inovação no Enfrentamento ao Combate ao Crime Organizado pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Crédito da foto de capa: William Blake, The Flight of Molech (detail), 1809, watercolor, 25.7 x 19.7 cm.