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UMA PEC DA SEGURANÇA PÚBLICA QUE GASTA MUITA ENERGIA E PERDE UMA GRANDE JANELA DE OPORTUNIDADE

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    NISP - Colunistas
  • 8 de abr.
  • 7 min de leitura

O Presidente da República, por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, encaminhou a proposta de Emenda à Constituição denominada de “PEC da Segurança Pública”. O objetivo propalado pela proposta é de reestruturar e reformar o sistema de segurança, de modo a combater efetivamente o crescimento da criminalidade, principalmente da organizada.


                        A PEC altera os arts. 21, 22, 23, 24 e 144 da Constituição Federal (CF), de modo a “conferir à União a competência para estabelecer diretrizes gerais quanto à política de segurança pública e defesa social, que compreenderá o sistema penitenciário; atualizar as competências da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF); constitucionalizar os fundos nacionais de Segurança Pública e Política Penitenciária; fixar as atribuições das guardas municipais; e prever a criação de corregedorias e ouvidorias dotadas de autonomia funcional.”


Inicialmente, é importante ressaltar que a maioria das propostas pela PEC é absolutamente redundante, já que previstas em diplomas normativos de menor hierarquia, como leis ordinárias. É o caso da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), criada pela Lei nº 13.675, de 2018, que também criou o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).


Os fundos nacionais a que se referem a PEC (Fundo Nacional de Segurança Pública – Fnsp e Fundo Penitenciário Nacional – Funpen) já são regulados pela Lei nº 13.756, de 2018 e pela Lei Complementar nº 79, de 1994, respectivamente. Ademais, vale ressaltar que a ideia de se constitucionalizar o Funpen, por exemplo, não é inédita – na verdade, bastante antiga, como mostra a PEC 470/2010, de autoria do então deputado Domingos Dutra e outros.

Quanto às propostas de alteração de atribuições das polícias federal (PF) e nova polícia viária federal, merecem críticas.


De acordo com o texto normativo da PEC, a polícia viária federal (PVF) destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias, ferrovias e hidrovias federais. Basicamente, transformou-se a polícia rodoviária federal (PRF), ampliando-se suas atribuições - que agora também incluirá os modais ferroviário e hidroviário.


A ideia seria boa, se viesse acompanhada de outros elementos. O contingente atual da PRF se encontra defasado para cuidar exclusivamente das rodovias federais. A ampliação de atribuições - fragmentando o contingente ainda mais - não parece colaborar para a eficácia nem para a eficiência da instituição, a não ser que o quadro de policiais aumente consideravelmente. Outro elemento que deveria acompanhar tal medida, seria a adoção do ciclo completo de polícia para que a PVF pudesse prevenir e apurar crimes em todos os modais que seria responsável. A PEC não traz nada disso e só reforça o modelo fracassado vigente.


Quanto à PF, o art. 144, § 1º, I, é alterado, que cuida das competências do órgão. Adiciona-se a competência de apurar infrações penais “como aquelas cometidas por organizações criminosas e milícias privadas”, exemplificando aquelas infrações que tenham repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme. Ou seja, na verdade traz apenas um exemplo casuístico de atribuição que já existe constitucionalmente para a PF. Ou seja, a PF já pode investigar ORCRIM, só que isso não está expressamente previsto na CF. Agora estaria. O problema, é a PF usar isso como justificativa para SÓ ELA INVESTIGAR ORCRIM. Nos parece que isso foi proposital, para centralizar na união a investigação sobre facções criminosos, podendo restringir a atuação das polícias estaduais na apuração de infrações cometidas por aquelas organizações, fomentando o conflito de atribuições entre os órgãos policiais federal e estadual.


Digno de nota é o contido no documento explicativo “Ponto a Ponto” para justificar a criação da PVF como polícia “ostensiva federal”: “Os Estados e o Distrito Federal atuam na área de segurança pública por meio de duas forças policiais distintas: polícia judiciária e polícia ostensiva. Esse modelo, considerado efetivo, merece ser replicado no âmbito federal.”


Essa última afirmação demonstra absoluta ignorância, covardia para enfrentar lobbies classistas ou desprezo não somente pelos fatos, mas também quando comparamos a realidade brasileira com a de quase todos os países civilizados do mundo. O modelo citado como “efetivo” pelo documento - aquele em que há rígida separação entre polícia investigativa e polícia ostensiva - é incrivelmente falido, e justamente um dos maiores problemas da segurança pública no Brasil, gerador de enorme ineficiência do atual modelo de polícia bipartido de ciclo incompleto disfuncional que gera tanto retrabalho, burocracia, perda e informações e desgastes entre as corporações. É uma das jaboticabas que só vemos no Brasil.


Basta olhar para todos os países que adotam justamente o modelo contrário ao brasileiro: todos da OCDE; ao passo que o denominado “ciclo incompleto” de polícia, como o atualmente existente, é encontrado somente no Brasil e na poderosa Guiné Bissau. O último país a abandonar esse ultrapassado modelo de polícia, altamente fragmentado e ineficiente foi Cabo Verde, em 2019.


Esse é um dos pontos principais da PEC, e demonstra de forma cristalina a fragilidade, a incapacidade e o desinteresse em reformular adequadamente o sistema de segurança pública brasileiro. Perde-se a oportunidade de adotar o ciclo completo de polícia, em que os órgãos competentes podem realizar apurações criminais dentro de suas esferas de atribuição sem precisar repassar para outra corporação. E pior que isso: usa-se o argumento de que o modelo “é considerado efetivo”, o que é muito grave e simplesmente inverídico, demonstrando absoluto desconhecimento sobre o tema ou má fé, por conta de pressões classistas que desejam manter o status quo para não perderem seus monopólios.


Prosseguindo nas alterações promovidas no art. 144 da CF, temos a constitucionalização das guardas municipais como órgãos expressos de segurança pública, no caput do referido dispositivo (novo inciso VII). De fato, a constitucionalização das guardas municipais como órgãos de segurança pública - e por isso com atribuições de policiamento ostensivo e comunitário -, elimina grande insegurança jurídica que ainda cerca a atuação das guardas.

O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, tem anulado diversos processos pelo fato de as buscas terem sido efetuadas por servidores das guardas municipais, sob o argumento de que não teriam tal atribuição, mas apenas a de “proteger bens, serviços ou interesses dos municípios”. O Supremo Tribunal Federal, por outro lado, decidiu recentemente que as guardas municipais são, sim, órgãos de segurança pública por sua própria posição topológica no art. 144 da CF, e por isso teriam atribuição de realizar policiamento ostensivo, ainda que não envolvessem diretamente bens ou interesses municipais.


Apesar de relevante e meritória, essa alteração proposta pela PEC é tímida, pois ao trazer as Guardas Municipais para o rol de polícias mas manter sua nomenclatura atual como GUARDA, bem como reforçar apenas suas atribuições destinadas à proteção dos bens, serviços e instalações municipais, demonstra fraqueza e covardia do governo federal por medo de pressões classistas, que basicamente desperdiçou a oportunidade de uma PEC para, basicamente, trocar as Guardas de lugar dentro do texto constitucional, não alterando em nada seu papel na prática.


A PEC também promove alterações nas competências dos entes federados, nos arts. 21, 22, 23 e 24 da CF.


No art. 21, que trata sobre as competências privativas materiais da União, insere novos incisos para prever que compete ao ente federal “estabelecer a política e o plano nacional de segurança pública e defesa social, que compreenderá o sistema penitenciário, ouvido o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social”; bem como “coordenar o sistema único de segurança pública e defesa social e o sistema penitenciário, por meio de estratégias que assegurem a integração, a cooperação e a interoperabilidade dos órgãos que o compõem”.


Mais uma vez, trata-se de redundâncias que já estão previstas em lei ordinária. Está-se apenas constitucionalizando previsão legal preexistente.


Da mesma forma, o art. 22, que cuida das competências legislativas privativas da União, consta a nova competência para legislar sobre “normas gerais de segurança pública, defesa social e sistema penitenciário”, que está implicitamente prevista na legislação em vigor - apenas não de forma constitucional.


Apesar de essas alterações parecerem inofensivas, elas tornam constitucionais (e por isso, de mais difícil alteração posterior, se aprovadas) previsões que podem se tornar problemáticas para os estados-membros.


Explica-se.


A Política Nacional de Segurança Pública e seu respectivo Plano são formuladas pela União, de acordo com diretrizes, princípios e objetivos determinados por esse ente, cabendo aos demais entes federativos “estabelecer suas respectivas políticas, observadas as diretrizes da política nacional” (art. 3º da Lei nº 13.675, de 2018).


Nesse sentido, os estados-membros poderão formular suas políticas de segurança pública, respeitando as diretrizes impostas pela política nacional. Mas e se houver desrespeito pelos estados, o que pode ocorrer? Um dos exemplos é o contingenciamento de fundos, como aqueles do Funpen.


O art. 3º-A, § 3º, da LC 79/1994 (Lei do Funpen), que cuida dos repasses do fundo aos entes, dita que os repasses estão condicionados, entre outros requisitos, a “habilitação do ente federativo nos programas instituídos” e a “aprovação de relatório anual de gestão”.

Já o art. 8º da Lei nº 13.756/2018 (Lei do Fnsp), determina que os repasses do fundo dependem da existência de “plano de segurança e de aplicação dos recursos no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, observadas as diretrizes do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social”.


Percebe-se, portanto, que o desrespeito, pelos estados-membros, às “diretrizes” - seja lá quais forem - do Plano Nacional de Segurança Pública, imposto de forma unilateral pela União, poderá ensejar o contingenciamento ou o simples bloqueio de repasse de fundos contábeis ligados à segurança pública. Nesse sentido, a União acaba por tornar os entes federativos verdadeiros reféns orçamentários de sua política nacional de segurança, ainda que ela seja ineficaz ou ineficiente, pois formulada e decidida de forma unilateral pelo ente federal.


Desse modo, a constitucionalização das previsões citadas oficializou, agora na Constituição, a permissão para que a União formule unilateralmente sua política nacional; e puna os demais entes federativos por não cumpri-la, ainda que esta seja absolutamente ineficaz, ineficiente e improdutiva.


Em suma, a PEC da Segurança Pública, tão propalada como uma das maiores soluções do Poder Executivo Federal para o combate à criminalidade organizada:


1.      é redundante, pois apenas coloca no texto constitucional previsões legais preexistentes;

2.      repete erros grosseiros e históricos, como a manutenção do ciclo incompleto de polícia, agora a nível federal;

3.      constitucionaliza a possibilidade de que a União torne reféns orçamentários os estados-membros caso não cumpram as “diretrizes” estabelecidas pelo ente federal (independentemente de quais sejam essas tais diretrizes);

4.      não traz inovações expressivas - com exceção da previsão das guardas municipais como órgãos de segurança, apesar de, não alterar sua nomenclatura, nem conceder mais atribuições a elas.

5.      cria a PVF com extensas atribuições geográficas, desconsiderando o quadro atual insuficiente de servidores, além de não inovar mantendo a separação rígida entre polícia preventiva e investigativa; e

6.      altera a competência da polícia federal para investigar organizações criminosas, o que pode gerar conflito entre outros órgãos policiais.

Como se observa, a PEC gera mais problemas que soluções, perdendo-se a oportunidade para enfrentar o gravíssimo problema de segurança pública por meio de políticas públicas eficientes, eficazes e efetivas.

Uma verdadeira perda de tempo e energia. O crime organizado continua a vontade em nosso país.

 

Instituto NISP - Novas Ideias em Segurança Pública

 

 
 

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