top of page

O Que Pensam os Criminosos Sobre a Legalização de Drogas?

  • Foto do escritor: NISP - Colunistas
    NISP - Colunistas
  • 18 de set.
  • 4 min de leitura


ree

Pery Shikida, Paulo Henrique de Cezaro Eberhardt, Mario A. Margarido e Daniel Kiyoyudi Komesu.


Em um momento em que o debate sobre a política de drogas no Brasil atinge um ponto de inflexão, com decisões cruciais no Supremo Tribunal Federal e uma polarização social crescente, a formulação de políticas de segurança pública eficazes exige mais do que convicções ideológicas. Exige dados, inteligência e, acima de tudo, a compreensão da lógica de quem opera no mercado ilícito. Nesse contexto, um estudo aprofundado realizado com 408 presos na Região Metropolitana de São Paulo transcende o debate acadêmico e se torna uma peça de inteligência estratégica. Ao investigar diretamente a opinião da população carcerária sobre a legalização, a pesquisa nos oferece um raro vislumbre da racionalidade que sustenta a economia do crime, desafiando nossos estereótipos e fornecendo insights valiosos.


A robustez da pesquisa é seu primeiro diferencial. Conduzida em dez unidades prisionais, a análise não se contentou com respostas superficiais. Utilizou uma metodologia mista, combinando a análise quantitativa de questionários com a profundidade de entrevistas e a sofisticação de modelos de regressão logística (Logit e Probit). O objetivo não era apenas saber se os presos apoiavam a legalização, mas desvendar os fatores determinantes por trás dessa posição. É um trabalho empírico que substitui o "achismo" por evidências estatísticas.


O primeiro grande resultado já serve para desconstruir um mito central: não há, na população carcerária, um apoio unânime à legalização das drogas. O estudo encontrou um surpreendente empate técnico, com 51% de favoráveis e 49% de contrários. Essa ausência de consenso é um dado fundamental, pois sugere que a percepção de risco e oportunidade associada a uma mudança na legislação é muito mais complexa do que se imagina. A visão de que a legalização seria uma panaceia para os "negócios" do crime é, no mínimo, simplista. A análise se aprofunda ainda mais ao revelar que, dentro do grupo que apoia a legalização, 87% restringem esse apoio exclusivamente à maconha. Este dado demonstra uma notável capacidade de discernimento e cálculo de risco entre os detentos, que parecem traçar uma linha clara entre a maconha e outras drogas, cujos mercados são percebidos como inerentemente mais violentos e socialmente rechaçados.


A contribuição mais significativa do estudo, no entanto, vem da análise econométrica que identificou os três perfis comportamentais que predizem com maior força o apoio à legalização. O primeiro é o perfil do usuário, cuja probabilidade de ser favorável à medida aumenta em impressionantes 223%. Sua lógica é transparente: a legalização representa o fim da persecução penal e do estigma social, uma clara estratégia de autopreservação. O segundo é o perfil do traficante, que, ao ter o tráfico em seu histórico, tem 59% mais chance de apoiar a legalização. Aqui, a lógica é a do cálculo empresarial: a possibilidade de migrar de uma atividade de altíssimo risco para um mercado regulado, reduzindo os custos com violência, corrupção e perdas.


É o terceiro perfil, contudo, que apresenta o maior desafio e a lição mais importante para a segurança pública: o do indivíduo armado. Ter a posse de arma de fogo aumenta em 91% a probabilidade de apoiar a legalização. Este achado, aparentemente paradoxal, revela a faceta mais estratégica do pensamento criminal. O detento armado não apoia a legalização por idealismo ou por esperar o fim da violência. Ele o faz por antever a criação de um mercado híbrido, onde a maconha se torna legal, mas o lucrativo comércio de cocaína, crack e drogas sintéticas permanece na ilegalidade. Nesse novo cenário, a disputa por território, rotas e clientes continuará, e a violência será a ferramenta para arbitrar conflitos. A arma de fogo, portanto, não é um resquício do passado, mas um ativo essencial para garantir poder e posicionamento no futuro reconfigurado do crime.


Tão importante quanto os fatores que importam são aqueles que se mostraram irrelevantes. O estudo concluiu que as tradicionais "travas morais" — como religião, estrutura familiar e nível de escolaridade — não tiveram significância estatística para influenciar a opinião sobre a legalização. Esta é uma constatação de imenso valor prático. Ela sugere que as políticas de prevenção e ressocialização baseadas apenas em apelos a valores sociais podem ser ineficazes para este público, que opera sob uma racionalidade puramente instrumental, focada em risco, benefício e poder.


Em última análise, o que este estudo oferece às forças de segurança é um mapa da mente do adversário. Ele nos mostra que o ator do crime é pragmático, calculista e estratégico. Suas decisões sobre temas complexos como a legalização não são guiadas por paixões, mas por uma análise fria de como as novas regras impactarão seu "negócio". Ignorar essa lógica é insistir em estratégias fadadas ao fracasso. A inteligência policial, o planejamento operacional e as políticas públicas precisam absorver essa realidade, tratando o crime organizado não apenas com força tática, mas com uma inteligência estratégica que compreenda e antecipe a racionalidade econômica que o alimenta. O próximo passo, como bem aponta o artigo, é cruzar essa visão "de dentro" com a experiência prática de quem está na linha de frente do combate diário — as forças policiais —, a fim de construir um conhecimento verdadeiramente integral e eficaz.


O artigo que traz todas essas informações se chama DAS PENITENCIÁRIAS PARA O DEBATE: FATORES QUE INDUZEM OS PRESOS A APOIAREM A LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS, publicado em Julho de 2025.


 
 

nispbr.org

©2025 por nispbr.org 

bottom of page