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A Polícia Federal é o FBI Brasileiro?

  • Caio Caldas
  • há 20 minutos
  • 4 min de leitura

por Caio Caldas


A comparação entre a Polícia Federal (PF) e o Federal Bureau of Investigation (FBI) é comum, mas superficial. Ela ignora uma diferença estrutural crucial: a PF é uma agência multifuncional, enquanto o sistema americano é baseado na especialização. Essa distinção não é trivial; ela aponta para o que pode ser a maior falha operacional da polícia brasileira. A tese central é que o vasto e heterogêneo leque de atribuições da PF dilui sua capacidade, comprometendo a eficácia de sua atuação.


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A ineficiência da Polícia Federal não é resultado da falta de competência de seus quadros, mas sim de um mandato constitucional excessivamente amplo. O Artigo 144, §1º, da Constituição Federal, não só designa a PF para investigar crimes contra a União, seus bens e serviços, como também a sobrecarrega com funções administrativas, como a emissão de passaportes e o controle de migrantes. Esse acúmulo de responsabilidades impede que a instituição se concentre em sua missão primária.


Uma das consequências mais evidentes da sobrecarga funcional da PF é a alocação inadequada de seu pessoal. Agentes que passaram por um rigoroso processo seletivo e por um treinamento especializado na Academia Nacional de Polícia são frequentemente designados para tarefas burocráticas. A emissão de passaportes e o controle migratório em aeroportos, por exemplo, ocupam um efetivo altamente qualificado com atividades que poderiam ser realizadas por servidores civis de carreira específica. O custo de oportunidade de um agente federal em um balcão de atendimento é substancial, e essa má alocação de capital humano prejudica diretamente a capacidade investigativa da instituição.


A ausência de um plano de carreira estruturado, somada à pressão física e emocional do trabalho policial, perpetua um ciclo de desvalorização e evasão. Em setembro de 2021, a PF registrava um déficit crônico e significativo de 3.676 cargos vagos. A própria tramitação no Senado Federal de uma proposta para forçar a realização de concursos quando o déficit atingir 5% é um indicativo da gravidade do problema. A situação é ainda mais crítica quando se considera que a PF é a principal força de polícia judiciária da União, responsável por vigiar 17.000 km de fronteira com um quadro funcional de aproximadamente 13 mil policiais, muitas vezes direcionados a atividades administrativas.


Em contraste, o modelo de segurança federal dos Estados Unidos foi concebido com base na especialização funcional. A criação do FBI em 1908 foi um ato pragmático para combater o crime e proteger a União, com foco em criminosos que transitavam entre os estados. No entanto, sua atuação é complementada por outras agências com mandatos singulares, como a Drug Enforcement Administration (DEA), focada no combate ao tráfico de drogas, e o Bureau of Alcohol, Tobacco, Firearms and Explosives (ATF), especializado em crimes relacionados a armas, tabaco e explosivos.


A Polícia Federal, ao acumular responsabilidades que corresponderiam a todas essas agências americanas, tenta ser o FBI, a DEA, a ATF e o United States Marshals Service (USMS) simultaneamente, resultando em uma pulverização de esforços que impede uma atuação eficiente e especializada.


A multifuncionalidade da Polícia Federal se reflete nas baixas taxas de resolutividade criminal do Brasil. A taxa de elucidação de homicídios no país é inferior a 35%, muito abaixo da média global de 63%. Essa ineficiência contribui para a sensação de impunidade, criando um ambiente de "alta recompensa e baixo risco" para criminosos violentos. A sobrecarga funcional e a falta de especialização da PF e de outras polícias judiciárias contribuem diretamente para este cenário. Além disso, a inconsistência na coleta e no reporte de dados criminais é um problema crônico que impede o diagnóstico preciso e a formulação de políticas públicas eficazes.


A solução para a crise da Polícia Federal não é o aumento irrestrito de efetivo, mas sim uma reforma institucional focada na separação das atribuições. A proposta de desmembrar as funções puramente administrativas das funções investigativas é uma abordagem estratégica e economicamente viável. É insustentável para o Estado destinar o alto custo de formação de um agente federal para que ele execute tarefas que podem ser realizadas por servidores administrativos, de um nível de carreira diferente e com um perfil profissional distinto.


A criação de divisões autônomas de natureza administrativa para absorver as funções burocráticas da PF, como a emissão de passaportes e o controle de armas, liberaria integralmente o efetivo policial de elite para o trabalho investigativo. Essa separação funcional permitiria que os agentes federais se concentrassem em sua missão primária, que o modelo de especialização americano demonstra ser mais eficaz: a investigação de crimes complexos, o contraterrorismo e a inteligência.


Embora o Congresso Nacional discuta propostas de reforma, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, é fundamental reconhecer que essas iniciativas, ao buscarem dar mais poder à PF sem abordar a questão central da diluição de funções, se apresentam como medidas paliativas. A simples separação total da área burocrática para funcionários civis já resolveria grande parte do problema.


A manutenção do status quo compromete a capacidade da PF de cumprir sua missão de elite, contribuindo para um ciclo de ineficiência e baixa resolutividade criminal. A única saída para reverter este cenário é uma reforma estrutural que separe as atribuições administrativas das investigativas, permitindo que a PF se torne uma força policial mais focada e especializada. O modelo de ciclo completo de polícia, que o NISP tanto defende, exige foco e especialização, e a separação das funções administrativas é o primeiro e mais crucial passo para a modernização da Polícia Federal e do sistema de segurança pública brasileiro.

 
 

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